JAMIL MANASFI DA CRUZ [[1]]
RAFAEL HENRIQUE BISCARO [[2]]
RONNY CHARLES LOPES DE TORRES [[3]]
Resumo
A Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos nº 14.133/21 (NLLCA) caracteriza-se por ser analítica e extensa. No entanto, o novo normativo geral ainda propiciou espaço para inúmeras regulamentações. Nessa seara, a União e alguns Estados, como o Estado de São Paulo, regulamentaram as dispensas de licitação em função do valor, dispondo, em normativos próprios, a possibilidade da realização de pesquisa de preços concomitantemente com o processo de seleção da proposta apta a gerar o resultado mais vantajoso para a Administração. Tal opção demonstra-se importante e acertada, de modo a prestigiar o princípio da celeridade e conferir sustentabilidade econômica ao diminuir o custo processual do procedimento de dispensa de licitação.
Palavras-Chave: Pesquisa de preços, Pesquisa concomitante, Celeridade, Dispensa de licitação, Sustentabilidade, Economicidade.
- INTRODUÇÃO
A regra geral, prevista na Constituição Federal de 1988, é a realização de procedimento licitatório para a realização de obras, alienações e a aquisição de bens e serviços. Como vemos a seguir:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(…)
XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
Dito isso, a Lei nº 14.133/21, Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos (NLLCA) vigente no Brasil, definiu em seu art. 75, os “casos especificados na legislação” em que o processo de licitação pública pode ser dispensado, resguardando a esses casos fundamentação legal para dispensar a utilização da regra geral.
Dentro desse contexto, a premissa básica e fundamental deste artigo é que dispensas de licitação não são procedimentos licitatórios. Pode parecer preciosismo esse esclarecimento inicial, entretanto, na operação prática da NLLCA, no âmbito das dispensas de licitação em razão do valor (art. 75, I e II), consolidou-se, para alguns, a premissa equivocada de que o procedimento de dispensa de licitação com fase de disputa através do envio de lances, seria, na prática, uma “minilicitação”, um “minipregão” ou um “preguinho”.
Obviamente, a escolha de um fornecedor, mesmo através de um procedimento de dispensa de licitação, tem por pressuposto tratar-se de um rito de seleção. Sempre foi assim, mesmo nas longínquas regras do Decreto-Lei nº 200/1967, que ao prever regras para a realização das licitações, estabelecia também a possibilidade de sua dispensa.
As hipóteses de dispensa, por tanto, representam desde outrora a autorização do legislador para sublimação do rito densamente burocrático e formal das modalidades licitatórias tradicionais. Sob certo aspecto, uma hipótese de dispensa de licitação traz por pressuposto a percepção do legislador de que, para aquele “tipo”, o procedimento licitatório pode ser afastado por não ser, a priori, uma boa opção.
Assim, a transposição de ritos burocráticos do procedimento licitatório tradicional para as hipóteses de dispensa parece desvirtuar da própria lógica estabelecedora da respectiva exceção à obrigatoriedade de licitar.
Contudo, tem-se percebido um certo afã burocratizante na definição de ritos burocráticos para as hipóteses de contratação direta. Essa concepção tem se ampliado na atividade administrativa, ganhando contornos contraproducentes para a realização de dispensas de licitação em razão do valor econômico. Agentes públicos que conjugam desse pensamento têm realizado dispensas sem a devida simplificação dos procedimentos e, consequentemente, sem o devido prestígio aos princípios da eficiência, eficácia, formalismo moderado e celeridade, que deveriam ser conferidos como motivações principais para a dispensa do procedimento licitatório.
Afinal, se a contratação direta, através de dispensa, possuir as mesmas práticas e ritos da licitação, não se tratará, de fato, de uma dispensa de procedimento licitatório, mas sim de uma nova modalidade de licitação.
Neste contexto, este artigo tem como objetivo analisar e elucidar a possibilidade de conferir menor burocracia e maior celeridade às dispensas de licitação em razão do valor econômico, aclarando, para os gestores e agentes públicos (responsáveis pela contratação direta), a possibilidade de utilização da pesquisa de preços concomitante com a seleção da proposta apta a gerar o resultado mais vantajoso para a Administração, como um importante procedimento de celeridade e simplificação.
- PREVISÃO LEGAL
A Lei nº 14.133/21, Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos vigente no Brasil, positivou nos incisos I e II do Art. 75 as hipóteses de dispensa de licitação em razão do valor, conforme segue:
Art. 75. É dispensável a licitação:
I – para contratação que envolva valores inferiores a R$ 100.000,00 (cem mil reais), no caso de obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores; (Vide Decreto nº 11.871, de 2023).
II – para contratação que envolva valores inferiores a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), no caso de outros serviços e compras;(Vide Decreto nº 11.871, de 2023).
Os valores atualizados pelo Decreto nº 11.871, de 2023, agora são de R$ 119.812,02 (cento e dezenove mil oitocentos e doze reais e dois centavos) e R$ 59.906,02 (cinquenta e nove mil novecentos e seis reais e dois centavos), respectivamente.
No que tange à instrução processual, de acordo com o art. 72, inciso II, da Lei nº 14.133/21, os processos de contratação direta (dispensas e inexigibilidades de licitação) deverão ser instruídos com estimativa de despesa, que deverá ser calculada na forma estabelecida no art. 23 desta Lei. Desta forma, é imperativa a necessidade de promover um procedimento de estimativa da despesa para garantir que o preço praticado no procedimento de dispensa de licitação seja compatível com os valores praticados no mercado.
As dispensas em razão do valor econômico, fundamentadas nos incisos I e II, do Art. 75, não são exceção a essa obrigatoriedade legal de aferição do preço de mercado para estimativa de despesa. Assim, a regulamentação, através da Instrução Normativa SEGES/ME nº 65/21, que dispôs sobre o procedimento administrativo para a realização de pesquisa de preços para aquisição de bens e contratação de serviços em geral, trouxe, no âmbito federal, em seu capítulo III, as regras específicas para a pesquisa de preços nas contratações diretas.
A realização de pesquisa de preços concomitante é uma possibilidade que está prevista justamente nesta regulamentação, conforme segue:
Art. 7º. (…)
4º Na hipótese de dispensa de licitação com base nos incisos I e II do art. 75 da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, a estimativa de preços de que trata o caput poderá ser realizada concomitantemente à seleção da proposta economicamente mais vantajosa.
O § 4º do Art. 7º da IN nº 65/21 aborda um aspecto importante sobre a dispensa de licitação conforme previsto nos incisos I e II do Art. 75 da Lei nº 14.133, de 2021. Ele permite expressamente que a estimativa de preços, geralmente uma etapa inicial no processo de compras públicas, possa ser feita ao mesmo tempo que a seleção da proposta economicamente mais vantajosa para a administração pública.
Com certa inteligência normativa, pode-se compreender que o dispositivo não contraria a Lei, mas a aplica de maneira criativa, uma vez que um dos parâmetros previstos no artigo 23 da Lei nº 14.133/2021, para a realização da pesquisa de preços, é “pesquisa direta com no mínimo 3 (três) fornecedores, mediante solicitação formal de cotação”.
O dispositivo supramencionado reconhece a necessidade de conferir maior agilidade aos processos de contratação em situações de dispensa de licitação (art.75, I e II). Observa-se que a pesquisa mercadológica concomitante à escolha do fornecedor apto a executar a proposta de potencial resultado mais vantajoso pode contribuir para uma seleção mais eficiente e rápida da proposta, mantendo a preocupação com a economicidade, sem abrir mão da necessidade de avaliação e controle dos preços praticados no mercado. Além disso, essa simultaneidade pode facilitar a obtenção rápida de bens ou serviços necessários, reduzindo a burocracia, sem comprometer a transparência e a legalidade do processo.
Vale ressaltar, ainda em âmbito federal, que a Instrução Normativa SEGES/ME Nº 67/21, que dispôs sobre a dispensa de licitação, na forma eletrônica e instituiu o Sistema de Dispensa Eletrônica, trouxe a forma como a pesquisa concomitante deve ser utilizada nesses casos. Vejamos:
Art. 16 (…)
1º Na hipótese de a estimativa de preços ser realizada concomitantemente à seleção da proposta economicamente mais vantajosa, nos termos do § 4º do art. 7º da Instrução Normativa nº 65, de 2021, a verificação quanto à compatibilidade de preços será formal e deverá considerar, no mínimo, o número de concorrentes no procedimento e os valores por eles ofertados.
Em síntese, a pesquisa concomitante deverá ser formal e considerar no mínimo o número de propostas recebidas de forma eletrônica e os valores ofertados.
A IN é clara ao exigir que a verificação da compatibilidade de preços deve ser formal. Isso significa que todo o processo deve ser documentado adequadamente, mantendo registros de todos os passos e decisões para assegurar a transparência e a responsabilidade. Além disso, ao se exigir que sejam considerados o número de concorrentes e os valores ofertados, o texto enfatiza a importância de uma análise de mercado que leva em consideração a competitividade e as condições reais apresentadas durante o procedimento.
Portanto, a prática da pesquisa concomitante possui previsão infralegal e está devidamente regulamentada pelas IN’s Federais supracitadas. Destacamos, por exemplo, que no Estado de São Paulo a regulamentação se deu através dos Decretos nº 67.888/23 (Pesquisa de Preços) e nº 68.304/24 (Dispensa Eletrônica), possuindo redação similar à da regulamentação federal.
Ressaltamos, ainda, que tal procedimento, na dispensa com disputa (Dispensa Eletrônica), nada mais é do que a substituição da tradicional pesquisa de preços de mercado vigente, pelo envio dos preços por meio de um sistema eletrônico, alinhando-se ao princípio da digitalização e virtualização dos processos.
Superada a questão da legalidade, passaremos agora a desmistificar a sua utilização na prática, tanto nas dispensas convencionais quanto na dispensa eletrônicas com disputa no sistema “Compras.gov” e similares.
- A DISPENSA CONVENCIONAL E A PESQUISA DE PREÇOS CONCOMITANTE
Preliminarmente, é importante esclarecer que a dispensa eletrônica com disputa, ou seja, com fase de lances, foi criada inicialmente pelo Decreto federal nº 10.024/19, posteriormente replicada na IN nº 67/21 pelo Governo Federal.
Não há previsão de dispensa eletrônica na NLLCA. O que a referida Lei trouxe como “novidade” é a preferência pela divulgação em sítio eletrônico oficial, pelo prazo mínimo de 3 (três) dias úteis, para obtenção de propostas adicionais ao procedimento de dispensa em razão do valor econômico, conforme segue:
Art.75(…)
3º As contratações de que tratam os incisos I e II do caput deste artigo serão preferencialmente precedidas de divulgação de aviso em sítio eletrônico oficial, pelo prazo mínimo de 3 (três) dias úteis, com a especificação do objeto pretendido e com a manifestação de interesse da Administração em obter propostas adicionais de eventuais interessados, devendo ser selecionada a proposta mais vantajosa.
Com isso em mente, é importante destacar que o procedimento de dispensa convencional, sem a utilização de disputa eletrônica, continua a existir sob a nova normativa legal.
Se, no passado, a captação de propostas era feita de forma direta, sem prévia publicidade, agora o legislador exige, preferencialmente, prévia divulgação do interesse em obter propostas, através de aviso em sítio eletrônico oficial; uma mudança simples pode gerar transparência, afastar corrupção e permitir obtenção de melhores preços nas contratações diretas realizadas através das dispensas de pequeno valor[4].
Ao analisarmos como é feita a estimativa de valor das contratações nas dispensas convencionais, mesmo as que ocorriam pela revogada Lei nº 8.666/93, temos a clareza de que, em todas as dispensas convencionais, sem disputa de lances, as estimativas de valor das contratações através de pesquisa de preços eram feitas de maneira concomitante com a seleção da proposta apta a gerar o resultado mais vantajoso para a Administração.
Em suma, não havia, nas dispensas convencionais, uma etapa de pesquisa de preços preliminar e depois uma etapa que oportuniza uma nova solicitação de propostas para efetivação da contratação. A prática usual, pragmática e consolidada sempre foi a contratação da melhor proposta, usualmente a de menor preço, apesar desta não ser uma escolha obrigatória, obtida durante a etapa única de busca ativa por preços junto aos fornecedores no mercado.
A diferença trazida pela NLLCA, como vimos acima, é que essa etapa única de busca ativa por preços junto aos fornecedores no mercado deve ser preferencialmente estendida por no mínimo 3 (três) dias úteis, com a divulgação do procedimento em sítio eletrônico oficial do órgão, oportunizando a participação de mais interessados (Procedimento que não assegura que o agente público não possa solicitar a substituição das propostas iniciais apresentadas, ferindo o princípio da impessoalidade, julgamento objetivo e da transparência).
Destacamos, ainda, que tal prática, de pesquisa concomitante, está consolidada na Administração Pública brasileira desde antes do advento da Lei nº 14.133/21 e não foi alvo de contestação pelos Tribunais de Contas.
Todavia, com o aumento da utilização das dispensas eletrônicas, a utilização da pesquisa de preços concomitante tem enfrentado certa resistência de operacionalização por parte dos agentes públicos.
Tentaremos, a seguir, desmistificar e conferir ao procedimento praticidade e aplicabilidade nas dispensas com disputa eletrônica, afinal a regulamentação é clara quanto à possibilidade de utilização dessa prática.
- DISPENSA ELETRÔNICA COM DISPUTA E A PESQUISA DE PREÇOS CONCOMITANTE
A dispensa eletrônica com disputa de lances está expressa, em âmbito federal, na Instrução Normativa SEGES/ME Nº 67. Em princípio, devemos atentar que a própria regulamentação indica, em seu art. 3°, que o Sistema de Dispensa Eletrônica constitui, basicamente, a utilização de uma ferramenta informatizada para realização do procedimento de contratação.
Por conseguinte, analisamos, neste artigo, a adoção da prática da disputa eletrônica de lances em dispensas, com a utilização de uma ferramenta informatizada, apenas como um instrumento para possibilitar a criação de uma etapa de lances no procedimento de dispensa, objetivando maximizar a economicidade das aquisições sem licitação. Todavia, esse instituto não foi criado para transformar a dispensa de licitação em uma “mini licitação”.
Esclarecida essa visão, uma vez que a dispensa de licitação convencional já utiliza do expediente da pesquisa de preços concomitante com a seleção da proposta apta a gerar o resultado mais vantajoso para a administração, temos claro que esta prática pode, portanto, ser utilizada também nos procedimentos em que a dispensa for realizada no formato eletrônico e com disputa de lances.
Outrossim, vamos além. Visto que a disputa eletrônica apenas possibilitou, através da utilização de uma ferramenta informatizada, dentro da etapa de busca por preços junto aos fornecedores, a realização de um período para envio de lances entre os interessados em fornecer para a Administração, consideramos que não há qualquer vedação legal na utilização das propostas formais cadastradas na ferramenta informatizada para compor a pesquisa de preços concomitante da dispensa.
Para ficar mais claro, como base comparativa, temos que a pesquisa concomitante na dispensa convencional ocorre solicitando e recebendo propostas de fornecedores, normalmente por e-mail, e possibilitando novas propostas após a divulgação no site do órgão por, no mínimo, 3 (três) dias úteis. Já na dispensa eletrônica com disputa a pesquisa concomitante ocorre ao receber as propostas formais recepcionadas na própria ferramenta informatizada, no caso do Governo Federal, a plataforma “Compras.gov”.
Em ambos os casos, após o recebimento das propostas o agente público justifica a razão da escolha do contratado e do preço aceito.
Tanto na dispensa convencional quanto na dispensa eletrônica a cesta de preços deve ser aceitável e seguir os parâmetros de estimativa previstos no Art. 23 da Lei nº 14.133/21, por isso a Instrução Normativa SEGES/ME Nº 67 destacou que na adoção de pesquisa de preços concomitante em dispensas eletrônicas, a verificação quanto à compatibilidade de preços será formal e deverá considerar, no mínimo, o número de concorrentes no procedimento e os valores por eles ofertados.
Entretanto, reafirmamos que essa compatibilidade de preços deve ser verificada tanto na dispensa convencional quanto na eletrônica. Não se trata, portanto, de uma novidade ou de um procedimento diferenciado.
Todavia, cientes da insegurança de muitos agentes públicos na adoção da pesquisa concomitante para dispensas eletrônicas com disputa, trazemos, no quadro abaixo, pontos importantes relacionados à sua utilização:
DISPENSA DE LICITAÇÃO | PESQUISA PRÉVIA | PESQUISA CONCOMITANTE |
Convencional | Via de regra não ocorre uma fase prévia de solicitação de propostas para fornecedores apenas para gerar um valor estimado da contratação. | A pesquisa de preços ocorre através da solicitação formal de propostas a inúmeros fornecedores (normalmente por e-mail) e, consequentemente, após o recebimento das propostas o agente público seleciona a proposta mais vantajosa (normalmente a de menor preço) para a aquisição. Caso julgue necessário, para complementar a cesta de preços, o agente público busca preços através de outros parâmetros previstos no Art. 23 da Lei nº.14.133/21, para validar o preço de mercado e mitigar a possibilidade de contratação com sobrepreço. |
Eletrônica | Pode ocorrer, em conformidade com o Art. 23 da NLLCA, uma fase prévia estimando o valor previsto para a contratação. Tal qual ocorre em uma licitação. | A pesquisa de preços ocorre através da solicitação formal de propostas no sistema eletrônico que fica aberto por, no mínimo, 3 dias úteis para receber propostas formais. Após o recebimento das propostas, o sistema abre a possibilidade de disputa de lances por no mínimo 6 horas e no máximo 10 horas. Terminada a disputa, o agente público seleciona a proposta mais vantajosa (normalmente a de menor preço) para a aquisição. Após analisar o número de concorrentes no procedimento eletrônico e os valores por eles ofertados, caso julgue necessário, o agente público pode e deve complementar a sua cesta de preços válidos para aferir o preço de mercado e mitigar a possibilidade de contratação com sobrepreço. |
Quadro: Tipo de dispensa e tipo de procedimento para pesquisa de preços.
Fica claro que qualquer que seja a opção, pesquisa prévia ou pesquisa concomitante, caberá ao agente público verificar a compatibilidade de preços e justificar a razão da escolha do contratado e do preço aceito. Trata-se apenas da forma como as propostas são coletadas para compor a cesta de preços, qual seja: dentro ou fora da ferramenta informatizada para realização do procedimento de dispensa de licitação.
Em linha com o disposto acima, no evento online[5] sobre a instrução do processo de contratação direta, o Professor e Secretário de Gestão, à época, Renato Fenili, explicou a operacionalização sistêmica da realização da pesquisa de preços concomitante em dispensas eletrônicas.
Apesar disso, alguns operadores, através de uma interpretação restritiva da regulamentação, limitam a utilização da pesquisa de preços concomitante, afirmando não ser possível a utilização dos preços recebidos na ferramenta informatizada para compor a cesta de preços da estimativa do valor da contratação. Esta não parece ser a melhor alternativa interpretativa, como explicaremos adiante.
- DISPENSA DE LICITAÇÃO NÃO É LICITAÇÃO
Ao limitar a utilização da pesquisa de preços concomitante em dispensas eletrônicas afirmando não ser possível a utilização dos preços recebidos na ferramenta informatizada para compor a cesta de preços da estimativa do valor da contratação, doutrinadores e professores baseiam-se, muitas vezes, na jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU) através dos Acórdãos nº 114/13 – Plenário e 694/14 – Plenário.
Contudo, os referidos acórdãos trazem questionamentos e vedações à utilização dos lances e propostas registradas na ferramenta informatizada em uma licitação. Não tratam os acórdãos, assim, de processos de dispensa de licitação.
Por óbvio, em licitações não há fundamentação legal para utilização do expediente de pesquisa concomitante de preços. Tal prática é permitida, pela regulamentação já citada, em dispensas do procedimento de licitação lastreados nos incisos I e II do art. 75 da Lei nº 14.133/21.
Nos parece claro que a regulamentação previu a utilização da pesquisa de preços concomitante nesses casos específicos de dispensa para valorar o princípio da celeridade e diminuir os custos transacionais dos processos de dispensa que, por conceito, devem ser simplificados. Ressaltamos que, ao contrário das licitações, nas dispensas do procedimento licitatório com base nos incisos I e II do Art. 75, temos uma limitação de partida: o valor máximo do procedimento.
Por conseguinte, essa limitação de valor representa uma barreira de segurança para que o regulamento possa permitir a pesquisa concomitante de preços. Como em licitações não temos a barreira legal de valor máximo do procedimento, a pesquisa concomitante de preços não é permitida. Há, nas licitações, a necessidade clara de uma etapa prévia de estimativa de preços para limitar o valor máximo da contratação.
Dispensas de licitação não são “minilicitações” ou “minipregão”, representam exceções à obrigatoriedade de licitar, instrumentalizados através de procedimentos mais céleres e simplificados, afinal dispensar significa desobrigar, afastar, isentar da regra geral. Como destacaram Serrano Nunes e Peixoto Mendonça (2024,p.114) temos “a dispensa de licitação, na qual o procedimento licitatório é viável, mas dispensado por motivos de interesse público”. Assim a dispensa deve ser operacionalizada, com a sua devida simplificação objetivando atingir o interesse público.
- A PESQUISA DE PREÇOS CONCOMITANTE E O ATENDIMENTO AOS PARÂMETROS DO ART.23.
O art. 72 determina que o processo de contratação direta deverá ser instruído com a estimativa de despesa, que deverá ser calculada na forma estabelecida no art. 23 desta Lei.
Sob esta ótica, a regulamentação, através da previsão da pesquisa concomitante, alerta para a necessidade de verificação quanto à compatibilidade de, no mínimo, o número de concorrentes no procedimento e os valores por eles ofertados.
A formalidade está superada visto que as propostas cadastradas no sistema são formais e realizadas através da utilização de login e senha de uso exclusivo pelo fornecedor. No sistema, ele formalmente indica valor, marca e modelo (quando for o caso) e envia a sua proposta para atender à administração.
Entretanto, a necessidade de análise considerando o número de concorrentes e os valores por eles ofertados depende de um parâmetro que deverá ser adotado pelo agente público responsável pela dispensa. Entendemos que, nesse ponto, o regulamento aponta para que o agente público, responsável pela dispensa, atente-se, em sua análise da pesquisa concomitante, ao cumprimento de ao menos um dos parâmetros previstos no art. 23 da Lei nº 14.133/21.
Assim, como a Administração recebeu, através do sistema eletrônico, propostas formais de fornecedores, entendemos que o agente público deve aferir se o número de concorrentes atende ao inciso IV do art. 23 da Lei nº 14.133/21, conforme segue:
Art.23(…)
IV – pesquisa direta com no mínimo 3 (três) fornecedores, mediante solicitação formal de cotação, desde que seja apresentada justificativa da escolha desses fornecedores e que não tenham sido obtidos os orçamentos com mais de 6 (seis) meses de antecedência da data de divulgação do edital;
Superada a formalidade e o número de concorrentes, temos mais um ponto de atenção: os valores ofertados. Parece claro que, neste ponto, a regulamentação está orientando para que o agente público verifique se a cesta de preços composta pelas propostas enviadas no sistema possui, de fato, propostas válidas. Ou seja, o agente público deve afastar aquelas com valores exorbitantes, com valores inexequíveis e inconsistentes.
Cumprindo esses requisitos, não resta dúvida de que a pesquisa concomitante de preços estará alinhada ao art. 23 da normativa legal e cumprirá o disposto no art. 72.
- A OPERACIONALIZAÇÃO DA PESQUISA CONCOMITANTE NO “COMPRAS.GOV”
A criação da dispensa eletrônica concomitante com a pesquisa de preços no Compras.gov.br representa um avanço significativo para a celeridade na gestão das aquisições públicas no Brasil, especialmente nesses casos em que a licitação é dispensada em razão do valor econômico, conforme incisos I e II do Art. 75 da NLLCA. Esse instituto visa integrar e agilizar os processos de contratação direta por dispensa em razão do valor econômico, promovendo maior eficiência, eficácia, celeridade e transparência nas contratações públicas.
A dispensa eletrônica com pesquisa de preços concomitante permite que órgãos e entidades públicas realizem a estimativa de preços e a seleção da proposta economicamente mais vantajosa simultaneamente, dentro da plataforma Compras.gov.br.
Em suma, o sistema de dispensa eletrônica do Governo Federal oferece um ambiente unificado que facilita essas etapas, garantindo que a cotação de preços, análise das propostas e seleção de fornecedores ocorram de maneira coordenada e com registro formal.
Na prática, para iniciar o processo de dispensa eletrônica com pesquisa de preços concomitante no sistema, o agente público responsável pela contratação direta deve acessar a plataforma e registrar as informações básicas da necessidade de compra. Posteriomente, para indicar que a dispensa com pesquisa de preços concomitante será realizada, é necessário inserir o valor estimado do item zerado (0,00), no sistema. Em seguida, com a publicação da dispensa, a plataforma possibilitará que os fornecedores enviem suas propostas iniciais eletronicamente.
Conforme o Manual de Dispensa Eletrônica, elaborado pelo ministério da Economia do Governo Federal, temos esse detalhamento:
IMPORTANTE: A escolha pela estimativa de preços concomitante à seleção da proposta mais vantajosa fica à critério da Administração. Desta forma, para esse tipo de aquisição os valores unitários NÃO deverão ser informados, ficando zerados. (negritamos)
É importante destacar, neste ponto, que a decisão de realizar a estimativa de preços simultaneamente à seleção da proposta mais vantajosa é uma prerrogativa da Administração na fase preparatória ou de planejamento. Neste contexto específico de aquisição ou contratação, não se requer que os valores unitários sejam preenchidos; eles devem ser deixados zerados. Isso reflete uma flexibilidade no processo, permitindo que a Administração escolha a melhor abordagem, conforme suas necessidades, garantindo um procedimento mais ágil e adaptado às circunstâncias do mercado.
Como vimos neste artigo, quando a estimativa de preços é conduzida em paralelo com a seleção da proposta economicamente mais vantajosa, conforme previsto no § 4º do Art. 7º da Instrução Normativa nº 65, de 2021, é essencial que a verificação da compatibilidade dos preços siga um procedimento formal. Este processo deve considerar, no mínimo, o número de concorrentes envolvidos no procedimento e os valores por eles propostos. Tal abordagem assegura que, mesmo em um procedimento agilizado, as decisões respeitem critérios claros de competitividade e economicidade, garantindo transparência e justiça na seleção da proposta mais vantajosa para a administração pública.
Em nossa visão, como explicitado anteriormente, a exigência de considerar o número de concorrentes na verificação da compatibilidade de preços está diretamente ligada ao que estabelece o Art. 23, Inciso IV da NLLCA, o qual determina que a pesquisa de preços deve ser feita com, no mínimo, três fornecedores. Se no processo de dispensa eletrônica com pesquisa concomitante não forem obtidas pelo menos três propostas (cotações) válidas, o servidor responsável deverá buscar cotações adicionais no mercado para cumprir o referido disposto.
Concluído o procedimento de envio de lances no sistema, o agente responsável pela dispensa eletrônica verificará a conformidade da proposta classificada em primeiro lugar quanto à adequação ao objeto e compatibilidade do preço estipulado para a contratação. Ele ainda pode negociar condições mais vantajosas, respeitando o vencedor, enquanto as outras colocações (outras propostas) servirão como pesquisa de preço para fundamentar a contratação. Além disso, ao utilizar o Compras.gov.br, as instituições garantem a rastreabilidade das ações realizadas, uma vez que todas as etapas do processo são documentadas eletronicamente, reduzindo a burocracia tradicional, minimizando riscos de erros humanos, e aumentando a confiança e a integridade do procedimento de dispensa.
- CONCLUSÃO
Prestigiando os princípios da celeridade, da transparência, da eficiência, da competitividade e da economicidade, parece evidente que a dispensa do procedimento licitatório em razão do valor econômico objetiva a redução dos custos transacionais nas aquisições de baixo vulto.
Dessa forma, em linha com o princípio da virtualização dos processos de contratações públicas, a dispensa eletrônica surge para potencializar a economicidade e a transparência dos processos.
Neste artigo, mostramos que, não obstante a utilização do sistema eletrônico para as dispensas de pequena monta, temos, na utilização da pesquisa de preços concomitante a seleção da proposta apta a gerar o resultado mais vantajoso para a Administração, a ampliação da celeridade do procedimento e a significativa redução do custo transacional do processo.
O combo dispensa eletrônica e pesquisa concomitante confere à dispensa de licitação suas características basilares: virtualização, celeridade, simplificação e sustentabilidade econômica do processo. Afinal, o axioma da dispensa de licitação é dispensar e simplificar procedimentos.
- REFERÊNCIAS:
BRASIL. Lei de nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Brasília, DF, 1º abr. 2021. Divulgado em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm. Acesso em: 16/09/2024.
BRASIL. Ministério da Economia. Instrução Normativa SEGES/ME nº 65, de 7 de julho de 2021. Disponível em: https://www.gov.br/plataformamaisbrasil/pt-br/legislacao-geral/instrucoes-normativas/instrucao-normativa-seges-me-no-65-de-7-de-julho-de-2021. Acesso em: 16/09/2024.
BRASIL. Ministério da Economia. Instrução Normativa SEGES/ME nº 67, de 8 de julho de 2021. Disponível em: https://www.gov.br/compras/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/instrucoes-normativas/instrucao-normativa-seges-me-no-67-de-8-de-julho-de-2021. Acesso em: 16/09/2024.
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NIEBUHR, J. M. (coord.) et al. Nova lei de licitações e contratos administrativos. 2. ed. Curitiba: Zênite, 2021.
ROCHA, Silvio Luis Ferreira da; NUNES, Silvio Gabriel Serrano. Aspectos Históricos da Normatização Jurídica das Licitações e dos Contratos Administrativos. In: ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de; TOMELIN, Georghio Alessandro; NUNES, Silvio Gabriel Serrano; COMPARINI, Julio de Souza Comparini (orgs.). Contratos, controle e procedimentos: ensaios sobre a lei de licitações e contratos administrativos (lei 14.133/21). v. 1. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022.
SERRANO NUNES, Silvio Gabriel; PEIXOTO MENDONÇA, Ulisses Maciel . Licitações na contratação do setor de saúde e sua possível dispensa. Revista de Direito da Saúde Comparado, [S. l.], v. 3, n. 4, p. 101-122, 2024. Disponível em: //periodicos.unisa.br/index.php/direitosaude/article/view/611. Acesso em: 6 set. 2024.
TCU. Acórdão nº 114/2013. Brasília: TCU, 2013. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/redireciona/acordao-completo/ACORDAO-COMPLETO-1260400. Acesso em: 16/09/2024.
TCU. Acórdão nº 694/2014. Brasília: TCU, 2014. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/redireciona/acordao-completo/ACORDAO-COMPLETO-1305037. Acesso em: 16/09/2024.
TORRES, R. C. L. de. Leis de licitações públicas comentadas. 15. ed. São Paulo: JusPodivm, 2024. 1072 p.
[1] JAMIL MANASFI DA CRUZ, Bacharel em Direito e Administração Pública; MBA em Licitações e Contratos; MBA em Gestão Pública; Especialista em Metodologia do Ensino Superior; Pós-Graduação Faculdade Baiana de Direito; Pós-Graduação Gran Cursos; Pós-Graduação NAVIGARI-MA; Pós-Graduação UNYPÚBLICA e Centro Universitário São Lucas-RO; Autor do Livro “Regulamentação Municipal Lei nº 14.133/21”, artigos e e-books jurídicos sobre licitações, contratos administrativos; Professor Grupo Negócios Públicos – NP, Pregoeiro Oficial do CRA-RO; Palestrante e instrutor na área de licitações e contratos, planejamento das contratações e formação de pregoeiros.
[2] RAFAEL HENRIQUE BISCARO, Gestor de Políticas Públicas. Especialista em Licitações e Contratos. Especialista em Gestão da Administração Pública. Agente de Contratação e Pregoeiro na Universidade de São Paulo. Professor de Pós-Graduação. Palestrante na área de Licitações e Contratos Administrativos. Idealizador e coordenador acadêmico do 1º e do 2º Simpósio de Compras Públicas da USP. Coautor da obra: Pregoeiros e Agentes de Contratação: desvendando a Lei nº 14.133/21 em perguntas e respostas (1º ed.), pela editora JusPodivm.
[3] RONNY CHARLES LOPES DE TORRES, Advogado, Consultor e Parecerista. Doutor em Direito do Estado pela UFPE. Mestre em Direito Econômico pela UFPB. Foi Membro fundador da Câmara Nacional de Licitações e Contratos da Consultoria-Geral da União. Autor de diversas obras jurídicas, destacando: Leis de Licitações Públicas comentadas (15ª ed.); Direito Administrativo (coautor. 14ª ed.); Licitações e Contratos nas Empresas Estatais (coautor. 3ª ed.) e Improbidade Administrativa (coautor. 4ª ed.), todos pela editora JusPodivm.
[4] TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 15ª edição. São Paulo: Editora Jus podivm, p. 475.
[5] https://www.youtube.com/watch?v=otM_p_SOBFs&t=3749s